"Dame dame dame, que te voy a dar ... una guayabita de mi guayabal."

11.10.2008

Este é um convite inicial para o evento Música e Consciência Negra, a se realizar no Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da UFRJ, rua do Passeio 98 - Centro, às 19:00, em co-promoção do Movimento Funk é Cultura com o Laboratório de Etnomusicologia.




Cultura - 22/10/2008
Funk como manifestação cultural
Por Marianna Araujo

Há alguns anos atrás, qualquer brasileiro, se perguntado sobre o gênero musical genuinamente carioca, responderia samba. De meados dos anos 90 para cá, essa resposta não sai tão fácil, pois outro som passou a ecoar entre as vielas das comunidades e as pistas de dança da cidade. Assim como o samba, o funk se firmou como o som que é a cara do Rio de Janeiro e rapidamente tornou-se conhecido por todo o país.

Integrantes do Movimento Funk é Cultura. Foto: Blog Oicult
Integrantes do Movimento Funk é Cultura. Foto: Blog Oicult
O ritmo surgiu no rastro das inovações musicais dos negros norte-americanos nos anos 60. Foi a partir do soul, do jazz e de outros gêneros, que DJs brasileiros, sobretudo o DJ Malboro, desenvolveram o “som de preto e favelado” que animava os bailes cariocas ao final dos anos 80.
Na década seguinte, o funk tornou-se popular e saiu do Rio para ganhar o país. Canções como o Rap do Silva, Rap do Solitário e cantores como MC Marcinho, Sapão e Bonde do Tigrão caíram no gosto da juventude e contribuíram para afirmar a força do movimento.
Manifestação cultural da periferia
A popularização do ritmo, no entanto, trouxe consigo algumas mudanças. Como é comum acontecer com as manifestações culturais populares, setores das indústrias da cultura, sobretudo a fonográfica, perceberam o potencial mercadológico da música e a incorporaram entre seus produtos. Esse processo acaba por dar visibilidade a poucos artistas, além de ditar parâmetros para a produção, a partir de critérios midiáticos e de mercado.
MC Leonardo, cantor e compositor de funks, afirma que, desse modo, uma parcela específica de artistas e composições são privilegiados, em detrimento de outros tantos. “É preciso divulgar os trabalhos dos artistas que não estão se enquadrando no mercado apelativo”. Sobre esta questão, o manifesto do Movimento Funk é Cultura, ressalta que “sob o comando monopolizado de poucos empresários, a indústria funkeira tem uma dinâmica que suprime a diversidade das composições, estabelecendo uma espécie de censura no que diz respeito aos temas das músicas”.
MC Leonardo é um dos fundadores do Movimento que surgiu recentemente no Rio de Janeiro, procurando reunir artistas do gênero e fortalecer o funk enquanto manifestação cultural. Para os integrantes do Movimento, o gênero é hoje uma das maiores manifestações culturais de massa do país e “está diretamente relacionado aos estilos de vida e experiências da juventude de periferias e favelas”, afirmam em seu manifesto.
Representação do funk na mídia
Os participantes da iniciativa têm buscado, a partir da mobilização de artistas, levar adiante a criação da Associação de Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk). Leonardo explica que a idéia da Associação surgiu da constatação da importância de se organizar para fortalecer o movimento. “Somente juntos poderemos lutar pra que o funk tenha papel social dentro das favelas, pois hoje é inviável desenvolver esse papel no mercado”, afirma o MC. A professora Adriana Facina, uma das idealizadoras do movimento, completa, afirmando que a APAFunk tem um papel fundamental na busca por “produzir espaços alternativos para a divulgação de uma produção musical que não encontra, hoje, lugar no mercado”.
Além de buscar divulgar o funk que está à margem da indústria da música e da mídia, a Associação também terá o papel de apoiar os artistas na garantia de seus direitos, oferecendo assessoria jurídica e de imprensa. Segundo Adriana, está última é importante porque notícias que associam o funk ao crime são freqüentes. “Se um jovem de classe média é assassinado na saída de uma boate da zona sul carioca ou de uma micareta, a imprensa não vai associar sua morte ao tipo de música que estava tocando nesses lugares”, afirma a professora.
O grupo do Movimento Funk é Cultura está reunindo recursos e construindo parcerias para legalizar a associação. Mas segundo seus integrantes, ela já existe de fato, principalmente por conta das rodas de funk que vêm organizando periodicamente e do festival que acontecerá em novembro. Adriana alerta que no dia 19 de novembro, haverá uma roda organizada pelo grupo, juntamente com o professor Samuel Araújo, na Escola de Música da UFRJ, em comemoração ao dia da consciência negra. “Já são milhares de pessoas que freqüentam nossas rodas, se emocionam. Gente de classes sociais diversas, de faixa etárias que vão de 0 a 80 anos, homens e mulheres, comprovando o potencial comunicativo que o funk tem”, conclui.
Ainda na busca por afirmar o ritmo como expressão cultural, o Movimento buscou apoio na esfera legislativa do Estado. Foram encaminhados dois projetos de lei, um na Assembléia Legislativa e outro na Câmara dos Deputados, elaborados pelos deputados Marcelo Freixo e Chico Alencar, respectivamente, que reconhecem o funk como manifestação cultural de caráter popular. Se aprovadas, as leis também garantirão que o gênero não poderá ser tratado de forma discriminatória. Adriana Facina ressalta que essa questão é relevante para que artistas e público possam “confrontar comandantes de batalhões e outros agentes privados ou do estado que impeçam a realização de bailes e festejos do funk”.
O que se vê é que, mesmo com seu sucesso e alcance, o gênero - e principalmente seus artistas - ainda são tratados com discrimação. A associação com o crime é apenas uma das formas de manifestar o preconceito. Há ainda quem afirme que a batida não pode ser considerada música ou que é apenas a expressão do vazio cultural que emana das periferias. Aos críticos, Adriana, que é professora da faculdade de história da UFF, responde, lembrando que “o gosto é uma construção histórica e de classe. Os que hoje se ofendem com a batida do funk são herdeiros culturais dos senhores de escravos que temiam os batuques vindos de suas senzalas, pois eles demonstravam a autonomia e a potência dos que estavam no cativeiro”. MC Leonardo faz coro à professora e conclui: “ver o funk como lixo cultural, é ir na contramão da história”.

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